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Assunto: Remorsos de Castrador, Jayme Caetano Braun Sex Abr 04, 2008 12:40 am
Um pealo. Um tombo. Grunhidos de impotente rebeldia. O sangue da cirurgia no laço e no maneador. Nada p'ra tapear a dor do potro, que sem saber, perdeu a razão de ser na faca do castrador...
Há um bárbara eficiência nessa rude medicina... a faca é limpa na crina que alvoroçada revoa... pouco interessa que doa, a dor faz parte da vida! Há de sarar em seguida, desde guri tem mão boa...
Aprendeu, nem sabe como, à estancar uma sangria... Sem noções de anatomia, é um cirurgião instintivo que, por vezes, pensativo, afundou na realidade da crua barbaridade desse ritual primitivo!
Já faz tempo...muito tempo... ...que um dia, na falta d'outro, castrou seu primeiro potro, um zaino negro tapado... Que pena vê-lo castrado! O entreperna coloreando, e os olhos recriminando n'um protesto amargurado...
Depois do zaino, um tordilho, depois: baios e gateados, um por um sacrificados pela faca carneadeira e o rude altar da mangueira à pedir mais sacrifícios dos bravos fletes patrícios, titãs de campo e fronteira...
Por muitos e muitos anos andou nos galpões do pampa, castrando pingos de estampa com renomada experiência... Cavalos, reis da querência, parelheiros afamados, pela faca condenados à morrer sem descendência...
Às vezes, durante a noite, um pesadelo o volteia e o remorso paleteia: ´´-Castrador!... que judiaria! E qüantos sem serventia por aí à deixar semente, n'um mundo onde há tanta gente que pede essa cirurgia?!´´
E ali está, defronte ao rancho, pastando o mouro do arreio... pingo de campo e rodeio que castrou qüando potrilho... O mouro - mesmo que filho! -do xirú velho campeiro, é o último companheiro do seu viver andarilho...
Na primavera, outro dia, um potranca alazona, linda como temporona vestida em pelagem de ouro, veio se esfregar no mouro, mordiscando pêlo e crina, mais amorosa que china n'um princípio de namoro!...
E o mouro? - pobre do mouro! -não pode fazer mais nada... Veio direito à ramada, numa agonia sem fim, olhando p'ro dono assim, n'um bárbaro desespero, como dizendo: ´´-Parceiro, vê o que fizeste de mim!´´