LENDAS CRISTÃSTem o uso da erva, no dizer de Granada, uma alta origem no que poderíamos chamar de mitologia cristã. Já desde o primeiro quartel do século XVI, corria na América do Sul a lenda da estada do Apóstolo São Tomé no Brasil e países vizinhos.
Conta-se que chegando ao Paraguai, viu imensos matos de árvores do mate. Os índios, porém, não lhe davam utilidade nenhuma, até olhavam-nas com certa repulsão, porque as tinham por venenosas.
São Tomé achou entre os guaranis muita disposição para receber a fé e as águas do batismo. O santo, vendo a dedicação deste povo, quis fazer-lhe um benefício ensinando-lhes o uso da erva. Atraída por sua palavra, tinham-no seguido, uma grande multidão, quando arrancou uma porção da erva e a ajuntou cuidadosamente. Depois fez uma fogueira, estendeu as folhas da erva de tal maneira sobre as brasas que sem queimá-las, as tostasse. Por intermédio da lenta ação do fogo, perderam as folhas da erva, por evaporação, as substâncias danosas que possuíam.
O que serviu para grande consolação e regozijo dos índios guaranis foi que as folhas emitiam uma suave fragrância, circunstância que aguçou-lhes a curiosidade em relação a erva.
Desfizeram as folhas tostadas e pondo-as em água produziram uma bebida de gosto tão agradável quanto proveitosa. É Lozano que narrou este episódio na sua história da conquista.
Segundo o mesmo autor, conferiu a São Tomé a esta erva, virtudes medicinais contra pestes e várias doenças. Conta, que certa vez uma terrível peste dizimou quase todos os povos guaranis. Os infelizes, recorreram a São Tomé, que andava pregando por aquelas regiões.
O santo apóstolo respondeu:
- "Em casa possuis o remédio; a misericórdia divina nunca desampara os justos".
Em seguida mandou trazer os ramos da erva-mate, tostou-os, triturou as folhas, colocou-as na água e bebeu, para que eles não receassem bebê-la também.
-"Bebei", acrescentou, "as folhas desta erva e com elas curareis todos os enfermos e, vós, os sãos, ficarão imunes à peste."
Obedeceram os índios e nenhum dos enfermos tornou a morrer, assim como não adoeceu mais ninguém.
OS AVIOS DO CHIMARRÃODenomina-se "avios do chimarrão" os apetrechos ou utensílios necessários para tomá-lo.
É tudo muito simples, você precisará de uma chaleira ou um vasilhame que possa ser levado ao fogo para aquecer a água (nunca ferver!). Fora isso, a cuia, a bomba e a erva.
A cuia (do guarani "iacuhi" = cabeça) faz as vezes de uma chícara ou taça de chá, mas não dispõe de alça e deve acomodar-se naturalmente na mão.
Tradicionalmete, utiliza-se como cuia o fruto seco de duas cucurbitáceas diferentes: a "lagenaria vulgaris", que dá o porongo propriamente dito, redondo e arredondado, e a "crescentia cujetare", que dá a cuia propriamente dita, achatada, para os uruguaios conhecida como "galleta".
Nas regiões produtoras, como o Planalto, a fartura do produto permitiu a popularização do porongo de boca larga, mas nas regiões aonde o produto chegava em morosas caretas e no lombo de cargueiros (Compahia rio-grandense, Uruguai, Argentina), ou se cortava o porongo "ao contrário" (ao contrário da maneira planaltina), deixando uma boca de no máximo uma polegada, ou se usava diretamente a cuia chata ou "galleta", pequenina e econômica.
Houve época em que se fabricavam cuias finas, de porcelana, de formato achatado, para uso no mate doce das casas de estância; e mais recentemente industrializam cuias de madeira, de vidro, de madeira recoberta com alumínio, etc.; mas nada se compara ao porongo ou a cuia tradicional.
A bomba consiste num canudo de 20 a 30 cm de comprimento por 5 a 10 mm de diâmetro, achatado numa extremidade (bocal) e apresentando, na outra, um bojo oco e crivado de furinhos.
No século XVII dois tipos de bomba eram conhecidas: a de prata, metal abundante então na América, e a taquara, confeccionada pelos indígenas e resultante de um paciencioso trançar de fibras de duas cores.
Atualmente é desconhecida a bomba vegetal: utiliza-se tão somente a bomba de "metal branco", entre os gaúchos menos abastados, e a bomba de prata, muitas vezes com relevo e bocal de ouro.
Um outro elemento, não essencial, poderia ser incluído entre os avios: o tripé, ou outra base qualquer, em que a cuia possa se firmar quando não está em uso.
Apesar de simples esses apetrechos são fundamentais e já rendeu até inspiração aos poetas gaúchos:
"Quanto aos furos de uma bomba
calibre não muito estreito;
do contrário, se o sujeito
se prende louco a chupar,
quando menos se dá conta,
de tanto que chupa e chupa,
o pobre diabo, num upa
pode do avesso virar!"Eugênio Severo
HORÓSCOPO DO CHIMARRÃO: Te aconselho a tomar o chimarrão no início do teu dia, mesmo que ele comece às quatro da tarde. Os índios, seus inventores, o tomavam antes de ir para as batalhas. 0 Chimarrão te dá força e pique para ires à luta no dia a dia, e, ainda por cima, te deixa buenaço ou lindona, no más.
Aproveita essa hora sagrada para abrir um livro, jogar um tarot, ou fazer uma meditação sobre a tua vida. Aí, ficarás bonito ou bonita, por dentro e por fora!
E vamos aos locos!
ÁRIES - Esse, acha que a cuia é dele! Tu tá recém pondo a chaleira no fogo, e ele já tá ali, perguntando se tá pronto. Esbaforido, sempre se queima, ou fica com a bomba entupida, pões que não tem paciência pra esperar que a erva assente. Dá-lhe um Trancaço, c diz que no Natal ele vai ganhar uma cuia só pra ele. Não te preocupa, que é loco manso.
TOURO - ele primeiro vê se a cuia é linda, no más, e depois, fica ali, acariciando a dita, com cara de libidinoso. Como em geral, é guloso pra caraco, te passa o mate, mas fica te olhando atravessado, e ruminando... como é do seu feitio. Não vale a pena discutir com o bagual, pois além de cabeçudo, quase sempre é o dono da cuia e da bomba...
GÊMEOS - o vivente já entra no rancho falando e contando causo, trovando e matraqueando que é um inferno. Tudo com a cuia na mão. Até que o povaréu começa a ficar nervoso. Conselho: antes que esfrie até a água da térmica, saiam de tininho e vão tomar mate em outro lugar. Ele nem vai notar.
CÂNCER - esse já pega a cuia com ar de desolado, pois que a cuia lhe lembra a mãe. De tão sentimental, às vezes, ate chora, lembrando do primeiro chimarrão (que a gauchada nunca esquece). Quando sente medo do escuro, dorme com a cuia embaixo do travesseiro. E tem pencas de cuias e bombas entupindo as as gavetas... de recordação, ele diz.
LEÃO - loco o convicto, não é que me inventou de mandar gravar um brasão de família na cuia e outro na bomba? Só toma chimarrão, se tiver um povo em volta pra ficar lhe olhando, e aí, aproveita, e desata a trovar e a declamar, esperando que lhe aplaudam. Sempre é bom não contrariar.
VIRGEM - primeiro, ele lava as mãos e todos os apetrechos, depois, confere se a erva é ecológica, e por aí vai. Acha que, o certo mesmo, era cada um ter a sua própria cuia, bomba e mate. Mas, por via das dúvidas, carrega sempre um paninho que, discretamente, vai passando no bocal da bomba. Como é metido a botiqueiro, e conhece todo tipo de erva deste Rio Grande, enquanto mateia, vai dando receitas e curando, de lombriga a esquizofrenia.
LIBRA - flor de fresco, chega a pegar a bomba com o dedinho levantado. Mas compensa, pelo senso de justiça. Só toma o mate depois que todo mundo já se serviu. Pra ele, matear, também pode ser sinônimo de namorar; daí que, se prenda, só faz roda de mate com a indiada marmanja, e, se marmanjo, põe açúcar e mel na cuia, e vai, todo lampero, pro Brique, ver se atrai as mosca, quer dizer, as moça.
ESCORPIÃO - pega a cuia, e matreiro... sai de fininho para algum canto, remoendo traumas, encucações e toda a sorte de loucuras. Sem essa de que vingança é um prato que se come frio, pões que, na água quente do amargo, fica tramando seus planos de vingança (inclusive, e principalmente: Revolução Farroupilha, a revanche!). E, ai daquele que não lhe passar a cuia. Outro que tem fantasias sexuais com a cuia, com a bomba e com a térmica. Só não me pergunte quais.
SAGITÁRIO - em geral estrangeiro, pois sagitariano que é sagitariano, nunca está em seu país de origem; aqui, no Rio Grande, pode ser um carioca, paulista ou baiano que, sem entender nada de tradição, fica mexendo o mate, com a bomba como se o amargo fosse um milk-shake. Conheci um que queria misturar mate com fanta uva.
CAPRICÓRNIO - inventou o tele-chimarrão com pingo-boy e tudo, e o chimarrão de negócios, o qual pratica toda a sexta-feira na sua empresa, que, aliás, exporta cuia, bomba, erva e demais aparatos para a gringolândia. Diz que já tá fazendo até japuca largar o chá e pegar a cuia.
AQUÁRIO - rebelde até a última cuia, acha que esse negócio de chimarrão tá superado. Só não sabe pelo quê. Doido, mas metido a bonzinho, adora um povaréu; daí que, convida todo o vivente que estiver passando, pra sua roda de mate. Acha que se: o chimarrão fosse servido na ONU, o mundo seria outro.
PEIXES - inventou a leitura de cuia e "recebe" entidades durante a mateada. Se desconhece o tipo de ervas que usa... mas, diz que faz roda de chimarrão com os daqui e com os do além. Por isso, um conselho de amiga: se a roda de chimarrão for em outra estância, que volte de táxi.
Fonte: Livro "A Bruxa Gaudéria e o bando de loco!", de Rose de Portto Alegre. Martins Livreiro Editora, 2003.
"E a cuia, seio moreno
que passa de mão em mão,
traduz no meu chimarrão,
em sua simplicidade,
a velha hospitalidade
da gente do meu rincão".Glaucus Saraiva
Texto pesquisado e desenvolvido por Rosane VolpattoBibliografia consultada:
História do Chimarrão - Barbosa Lessa
Mitos e Lendas do RS - Antonio Augusto Fagundes
Lendas do Brasil - Gonçalves Ribeiro
Ilustrações J. Lanzellotti
O Livro do Mate - Romário Martins
Contos Gauchescos - João Simões Lopes Neto